domingo, 7 de outubro de 2012

Como cuidam os cuidadores

                                                    Picasso

Vários mitos se foram criando em torno do conceito de cuidador:
Espera-se dele que seja um ser sem sombra. Grande ilusão! O cuidador tem sombras como qualquer ser, grave é quando as esconde, sobretudo de si mesmo. O cuidador, seja ele profissional ou não, é aquele que está comprometido consigo próprio em conhecer e integrar as suas sombras, na medida do possível, sem violência, com amor e doçura consigo mesmo: ao seu ritmo, com consciência, usando as ferramentas de que dispõe, disposto a aprender sempre, a admitir, sempre que não sabe, aceitando, umas vezes com dor, outras com alegria, o processo, mas sabendo que é assim mesmo e que é natural e bom.
Desconfiar, então, quer do pseudo-discípulo que quer fazer de ti um mestre e um monstro (de perfeição) e do cuidador que se assume como tal. O cuidador é aquele que, como Terêncio, sabe que "nada do que é humano me é estranho", nada me ilude, nada me horroriza, tudo me encanta, algumas coisas me fazem tremer, é o que, no espelho do outro, reconhece a sua "irremediável" e sublime humanidade. O cuidador é maravilhosamente perfeito na sua imperfeição e é isso que ele vê no outro: na imperfeição, a perfeição. Com compaixão e fé. No outro, em si.
O cuidador é "work in progess" cheio de compaixão por si e pelos seus irmãos e disposto e aberto a acolher, na sua sempre limitada experiência, os que dele se aproximarem a pedir apoio. Porque sabe que também ele, de vez em quando, precisa do apoio de outros companheiros, a família eleita pelo caminho.
O cuidador é um ser que contagia pela sua verdade. Não pela beleza das palavras ou pela magia da técnica, mas pela sinceridade das emoções. Inspira, quando, sem pretendê-lo, abre espaço no outro para um encontro corajoso e autêntico consigo próprio, a base de qualquer cura: física, mental, espiritual, palavras diferentes para falarem da mesma coisa. Que nunca é uma tarefa acabada, mas um aventuroso, desafiador e incontornável caminho. Não podemos evitá-lo. Apenas adiá-lo.
O cuidador é o que inspira por aquilo que é, é o que revela, para além das palavras, como aprendeu a cuidar-se e como, ao fim de tanto desvio, errância, sofrimento e confusão, escolheu como caminho o cuidar de si. Estrada onde se cruzam estações de desvio, errância e dor, mas de uma qualidade nova. O alcatrão já não esmaga, mesmo na hora de maior calor, cintila, mesmo na hora de maior sombra, reflete.
Não existe, um cuidador que não reconhece, em cada dia, no seu corpo, mente e alma, o que significa cuidar-se.

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